João Wagner Galuzio
O nosso sistema eleitoral em dois turnos, solução inteligente e necessária, muitas vezes estabelece uma condição que pode explicitar e até exacerbar as nossas diferenças. Desta forma não é incomum que um novo presidente brasileiro seja eleito com mais de 50 milhões de votos. Talvez pouco mais de um terço destes votos sejam de seus eleitores naturais.
Em segundo turno então, é natural decidirmos ou por escolher a proposta mais semelhante às nossas ideias, ou até, para evitar aquela outra proposta que não queremos. É de se esperar, como manda a elegância da civilidade, que a parcela que não alcançou a vitória reconheça e respeite a decisão das urnas e que, naturalmente, estabeleça uma oposição coerente e responsável.
Na democracia, esta relação entre todos cidadãos irá preparar o terreno para mudanças em solo fértil e saudável. Na sucessão de governos entre FHC e Lula houve o que se pode classificar como uma transição razoável. Mais recentemente, diante da vitória de seu exótico e milionário opositor, Barack Obama ofereceu-nos a todos um exemplo de caráter democrático e de autoridade moral para manter a autoestima de todos os seus apoiadores. Humilde na derrota, foi sensacional na liderança de seus eleitores naquele momento dramático. Ainda hoje se mantém acima das trincheiras dos castelos ideológicos em que se enrascaram aqueles estados desunidos.
Aqui em Pindorama, nossa "Terra Brasilis" vivemos outro drama. Vimos por aqui, nas urnas, os efeitos da polarização global. Muitos entre os que elegeram esse modelo democrático institucional, essencialmente formal no estilo e militar na estrutura, talvez buscassem um contraponto à fadiga da democracia assistencial, dialética por princípio, mas disléxica em termos objetivos e subjetivos.
Tristemente, resultado da polarização burra, ambas parecem manter um traço comum, se sustentando em dúbias ideologias gritadas por pensadores radicais. Dois destes poderiam bem formar um casal maluco, cujas núpcias talvez pudessem ilustrar o realismo fantástico em que vivemos. Discursos tão diferentes, mas parecem que foram feitos um para o outro, Marilena e Olavo. Ela, querendo ser progressista, estimula o retrocesso, onde todos, muito iguais, teríamos reduzida a nossa vontade própria, ficando submissos à inteligência da espécie. Ele, conservador, por surpreendente que pareça, aposta na dinâmica do progresso como atalho para a prosperidade de todos. Ingênuos e truculentos, confundem ideologia com idealismo. Pretendendo ser idealistas, são narcisistas.
É muita filosofia e pouca economia, o Brasil não precisa disso, precisa de norte, decisão e ação. Depois do vácuo desenvolvimentista cuja epígrafe "Despesa é vida" quase tornou-se nosso epitáfio, houvemos que temer (sic) o hiato de um governo que nunca foi. Meses de procrastinação!
Num misto de medo e de esperança, de um lado e de outro, as urnas elegeram a mudança como alternativa para resgatar nosso sonho de liberdade e de desenvolvimento, sustentáveis. No entanto, a primeira reunião ministerial parece ter sido a senha dos primeiros dias deste governo.
Quando um conselho de ministros se reúne apresentando 35 metas para os primeiros 100 dias, em que muitas delas ou são muito complexas (implicam em processos de longo prazo) ou se revelam inviáveis, a insegurança pode prevalecer.
Nem tudo é desespero! Talvez haja alguma intenção de coerência neste não-método. A confusão, o caos, parecem pretender causar um choque anafilático no coletivo de corporações de uns e no messianismo de movimentos organizados de outros que, juntos, vão destruindo a ideia de nação. É muito "ismo" para um Brasil só. Depois do choque precisamos saber quem vai desfibrilar Brasília, nosso frágil e impaciente coração nacional.
Estes primeiros 100 dias passados nos deixaram sem noção, os próximos 100 dias, com a previdência, teremos uma nova chance de nação. Com o potencial de iluminar algum futuro possível, se não, quem sabe nos reste a providência, Dele que todos gostamos de dizer que é Brasileiro.