quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Eficiência burra, o império (ou impropério) da razão.

João Wagner Galuzio
Escrevedor e Cantador


Era uma vez um planejamento que era para ser estratégico. Ideia lógica e elaborada para orientar as decisões das organizações e viabilizar resultados a longo prazo. Autores e pesquisadores consagrados, executivos e empreendedores bem sucedidos definiram e realizaram os seus fundamentos.

Eu, modestamente, simplifico seu significado, tratar-se de boas e melhores práticas de construir caminhos e soluções alternativas para alcançar objetivos e verificar novas possibilidades. Um jeito assim de, ser agente da mudança de seu destino pessoal ou empresarial. Pessoal pois também nós podemos imaginar carreiras alternativas e complementares. Apesar de inúmeros ótimos exemplos de implementação, o conceito sucumbiu ao imediatismo pragmático dos resultados objetivos, disseminado em quase todas empresas e organizações. Prevalecendo a eficiência em prejuízo da eficácia.

Como resultado pode-se observar esplêndidas e idealistas declarações de Missão Institucional, versões incríveis de metas e objetivos estampados na Visão Corporativa em agendas, várias até bem coerentes. Valores que são declamados em prosa e verso em placas de bronze, banners virtuais, selos, bottons e crachás, mas...
-“Caramba, mas e mais o que?" Você pode perguntar. 

... falta-nos o essencial. Queria evitar a citação para não parecer clichê, acontece que é inevitável. O apóstolo Paulo já, há quase dois mil anos, lembrava aos Coríntios, sem nenhuma conotação ludopédica (sic) que, apesar de toda sua sabedoria, ele poderia até mesmo a língua dos anjos falar, sem amor não restava sentido.

- Ei! Conversa de amor no discurso das organizações!? Fala sério, outro pode estrebuchar. Mas é precisamente disso que estou falando. Falta-nos entender o capítulo treze da epístola paulina. 

Fazer, executar, operar, proceder, trabalhar, empreender, implantar, manter ou mudar, além de planejar, organizar, dirigir e controlar, estas funções mínimas de todo empreendedor, tudo isso sem entusiasmo, acaba inútil. Muito esforço e eficiência sem eficácia. 

Quando empresas diversas sonham com trabalhadores eficazes, os batiza de intra-empreendedores, imaginando-os com farda e camisa de funcionários, mas com alma profissional. Ótimos funcionários obedecem a normas e procedimentos com a inteligência e disposição das melhores Unidades de Resposta Audível – URA, aquele robozinho surdo que nas ligações telefônicas nos mandam, sempre em vozes gentis,  digitar uma sequência interminável de opções e, sem emoção, não falam ao coração. 

Outro dia, dizia aos meus colegas aprendentes e aprendizes nas escolas onde professo a causa da eficácia, estava num banco buscando resolver um problema que se arrastava durante todo o período de greve, nesta campanha trabalhista de 2013

Era minha primeira visita àquele banco e agência, então procurei o gerente de atendimento para que me orientasse. Solícito, e muito elegante, levantou-se ao me estender a mão. Dispôs-se a ajudar e orientou-me como proceder.

-Retire uma senha e o senhor será atendido no “caixa expresso”. Exultei. Imaginava, ora ‘expresso’, então o atendimento será específico e objetivo. Para minha surpresa havia biombos a separar os atendentes e a repleta fila de cadeiras onde os que seriam atendidos (jamais entendidos) esperavam mansamente. Depois de alguns dez minutos, quando já muitas senhas dos outros caixas eram chamadas sucessiva e freneticamente, finalmente o painel de LED de cor vermelho-sangue-nos-olhos, anunciou uma primeira senha na mesma classificação 'expressa' como a minha.

O número? 5019! Eu, 5038, desabei.

Resignado dizia em voz baixa e tentava me convencer: “Depois de três semanas de greve, no primeiro dia de restabelecimento do serviço eu venho e quero rapidez. Calma João!”  Espiei furtivo por trás dos biombos e constatei haver quatro atendentes em exercício. Arrisquei perguntar explicando o procedimento que me atormentava. Sorridente e generosa a jovem assentiu. –”Sim, o senhor já será atendido pelo ‘caixa expresso’ o único destacado para esta função”.

Voltei para o meu lugar, olhei o placar e já se passavam quarenta minutos desde quando havia retirado a senha e o 5022 acabara de ser chamado. Outros clientes estavam nervosos e eu, estranhamente, talvez um pouco anestesiado, rezava. O caldo entornou em seguida quando, depois do 5022, o placar anunciava o próximo número: 5045... Hein?

Ah, não! Corremos todos que esperávamos, doce e amargamente, ao caixa expresso onde, surpresa, não era mais a mesma menina quem estava atendendo antes. Ela, como todos, esboçou um sorriso (que, àquela altura já parecia deboche) e nos tranquilizou a todos. Todos? Quem eram 'todos' (de 5023 a 5044, seria vinte e dois) a essa altura? Éramos três. Dezenove almas haviam se desgarrado deste humano rebanho

Muito eficiente, a nossa algoz pôs-se a chamar cândida e ‘polianamente’ todos os números. Nesta procissão eletrônica de ausências sucessivas, consumiram-se outros cinco minutos até que, cinquina, 5038, eu.

Enquanto era atendido mais uma novidade. Recebi o meu novo cartão de débito com o meu nome grafado JOO. É, de João virei JOO. A esta altura, quase duas horas na fila e 14 horas no relógio, veio minha namorada resgatar-me, talvez desconfiada deste meu ‘almoço executivo’ mal explicado.

Depois de narrar a epopeia dei-me conta de que todos, o gerente, os atendentes e a expressa funcionária estavam tranquilos e serenos por terem cumprido eficientemente o protocolo, sem enxergar além dos biombos.

Mais um minuto de conversa e reflexão foi suficiente para lembrar-me de inúmeras situações em que somos atendidos de modo gentil e inútil. Operadores de telefonia, de cartões de créditos ou de órgãos públicos que, quando conseguimos acesso, são muito prestativos com seus procedimentos imprestáveis. 

Estupefato, calei-me ao tentar medir o meu quinhão nesta eficiente conspiração. Percebi logo que estamos todos eficientes esquizofrênicos, bem adestrados, repetindo protocolos sem qualquer envolvimento ou emoção. Um provérbio de Voltaire hoje muito popular me veio à mente: “O ótimo é inimigo do bom”. E assim vamos buscando a boa eficiência e perdemos de vista a eficácia, o ótimo.

No Planejamento Estratégico? Igual... Veem-se lindos discursos vazios. Ou, quem já não viu empresas gravando sua Missão nos crachás dos funcionários, menos na mente ou no coração. Em dia de auditoria do sistema, ficam todos recitando a cantilena missionária. Quem já viu uma reunião de diretoria em que o diapasão das decisões era o conjunto de Valores, como uma lista de compromissos para garantir a coerência entre a prática e a falação? Nada, espero bastante ansioso conhecer quem o faça.