Cândido Poliano.
É muito triste ou, melhor, é deplorável o uso da caneta, da mídia, das redes sociais ou qualquer outro meio, pessoal ou institucional, por gente desonesta e mau-caráter, de todos os matizes ideológicos, de qualquer facção. Não tem lado inocente quando vociferam seus ódios, como se de fatos ou da verdade pudessem ser proprietários. Trata-se de uma armadilha perde-perde onde qualquer tentativa de se buscar um debate razoável, logo se converte num abate desprezível.
A violência no Brasil é uma indústria que 'sustenta' muita gente bacana que grita às suas claques em tribunas ou tribunais, em seus estúdios ou redações, em suas cátedras, palcos ou altares, pela segurança e pela mais proba governança social, de novo, à direita e à esquerda. As tropas de elite do Padilha, não são sutis quando denunciam isso. As balas perdidas, o hediondo faroeste a que subjugaram a sociedade carioca, em particular, mas não exclusivamente e as cínicas mazelas populistas daqueles que deveriam governar são radicalmente abomináveis.
O atentado nefasto perpetrado contra esta jovem vereadora no Rio de Janeiro, não é mais grave, mas é emblemático. Nenhuma vida vale mais ou menos do que outra. Cada inocente (ou não) que tomba vítima de violência é uma tragédia. Não escapam a esse raciocínio os que são criminosos de qualquer sorte, pois toda morte é odiosa. É a essência da civilização, a justiça. Criminosos, todos culpados devem ser tratados com o rigor da lei, jamais o linchamento real ou moral.
Então não cabe, numa sociedade que pretende algum esboço de civilidade, argumentos como “bandido bom é morto” que são tão impróprios como aqueles que pretendem proteger assassinos e estupradores, como se vítimas fossem. Nos dois casos, são excrecências abjetas, demagogia simplista e, ambas, próprias de regimes de exceção do outro, do que pensa diferente.
Todo assassinato é nojento e covarde, estúpido e cruel. Este atentado em particular é distintivo do genocídio social e cidadão de toda a nação. É sintoma da falência moral nacional. Não há nação se não há consciência política, mas um punhado de facções. Onde e quando prevalecem as facções, as ditaduras da paixão e o espírito de corpo sepultam a razão do nacional. Atenção, por facção, eu me refiro a todo ativismo e, ou, corporativismo: empresarial, sindical, judicial ou de qualquer outro diferencial, em prejuízo do que é nacional. Círculo vicioso em que todas as partes, as facções, buscam o seu máximo benefício. Todo bônus é exigido e todo ônus preterido. Para os que apreciam o simplismo populista, aí está uma equação que sempre terá resultado zero ou negativo.
Consciência política implica em razão, o sacrifício do corpo, do particular, do individual pela alma da constituição, da diversidade e do coletivo. Não nos enganemos, diversidade e coletivo que, igualmente, não podem ser mais relevantes que a nação. Ser político é, antes de tudo, a qualidade excepcional e muito sofisticada de respeitar e valorizar o que é diferente, não importa quanto indigesta a opinião alheia o seja. Ser cidadão para apenas ter direitos e poder excluir o que não aprecia, pode render votos e até alguma ou muita popularidade, mas será um desserviço à permanente e complexa construção da uma consciência nacional.
Depois das imediatas e necessárias manifestações de desagravo à jovem vereadora, e seu motorista, agora vão pululando nas redes sociais outras manifestações, entre muito sarcásticas e outras mórbidas, ou desqualificando a pessoa ou banalizando o homicídio. Enfim, parece evidente que nada se aprendeu e o processo apenas vai acirrando ainda mais o ódio nestas vozes vorazes. Com letras mal ditas e canetas injustas, são munições essas tão desprezíveis quantas aquelas que levaram Anderson e Marielle. Espero que, por emblemático, este atentado atroz represente um ponto limite, para iniciar um circulo virtuoso de respostas mais efetivas e que, o descanso deles seja a fonte eterna de nossa energia, para jamais outra vez nos acomodarmos diante da violência de cada agressão real, não verbal ou passional.
Professor, eu confesso que ainda não aprendi essa lógica da verdade passional. Violenta, a verdade passional é aquela total, indiscutível, pronta e definitiva, disponível por todas as redes sociais, reais ou virtuais. É uma verdade instantânea. Seus proprietários entendem assim: “Se eu recebi a informação de alguém, de quem sou aficionado, logo é verdade.” e, ato contínuo, rápido compartilha. Compartilhar virou eufemismo para “sumária e radical, justiça popular”, por último e mais uma vez, não importa a facção, o dono da verdade sempre pensa ter razão. Triste fim de uma quase civilização, onde pessoas com até muita instrução e preparadas, são solapadas pela propaganda elaborada, com requintes e ferramentas de metodologia científica dando um verniz de estética intelectual para sustentar o seu fascismo predileto.