terça-feira, 18 de abril de 2023

Narciso acha feio o que não é espelho!

 

João Wagner Galuzio, véio, feio e fofo.

Caetano, o poeta veloso, sutilizou e cantou em sua música Sampa, o drama de Narciso, o personagem da mitologia grega que representa a vaidade exagerada. Suave, na música, ele explica o bairrismo entre as duas grandes metrópoles, Rio e São Paulo. Até hoje, ainda é evidente vários traços de ciúmes, invejas e picuinhas entre pessoas de cá e de lá, apesar de, essencialmente sermos todos iguais na diversidade.

E, considerando que o bicho humano é um ser gregário, é bastante comum que se estabeleçam laços fortes entre aqueles que são próximos por afinidade, por semelhança, vizinhança, time ou ideologia. Tem mimimi e nhenhenhém até entre os moradores de um condomínio, entre um e outro bloco ou torre, entre classes nas escolas ou, entre a nossa rua e a ‘rua de baixo’. Isso é comum, mas algumas vezes pode não ser muito inteligente e civilizado.

Individualmente, é natural, gostoso, saudável e necessário termos consciência de nossas qualidades, de algumas características pessoais como aspectos físicos, intelectuais, culturais ou sociais. Esses detalhes podem formar e destacar nossa identidade, um jeito de se reconhecer e se sentir como indivíduo, único e especial. Este senso de autoestima é muito importante para o nosso desenvolvimento emocional e afetivo.

Nós, gerontolescentes, que somos, jovens há várias décadas, aprendemos e sabemos que não há um modelo, o certo ou o errado. Afinal somos únicos, não é mesmo!? Podemos dizer que não há, por natureza, uma pessoa melhor ou pior, o feio ou o bonito. Essas classificações são invenções de quem não se conhece, nem os seus próprios limites ou limitações e, por isso, para se esconder, vulneráveis, aborrecem os outros. Hein? Como é que é!? É sério! Muita truculência é sinal de impotência.

A estética, por exemplo, sem ética e sem etiqueta é, em si mesma, a expressão da beleza oca, vazia. Eu preciso perguntar: O que é e onde está a beleza? A sabedoria ancestral, evidente na moral religiosa no judaísmo-cristianismo, no islamismo e no budismo já ensina, há milhares de anos, que a beleza está no caráter paciente, humilde e gentil. O budismo, inclusive, destaca que todo o sofrimento do ser humano é derivado da vaidade que nos ofusca e nos afasta do mundo real. Como disse acima, a mitologia grega quase debocha do narcisismo.

É comum, para o indivíduo que se sente vazio, por desespero, se apegar à casca, ao que é exterior como um cargo, um status, à fama. O deslumbramento e ostentação que não são nada além de uma espuma que entorpece. O fascínio desloca a própria felicidade para fora de nós, em qualquer coisa que não a nossa própria identidade. Parece que precisamos de uma ‘marca’ para iludir e mascarar nossa insegurança e frustração. Erich Fromm, filósofo e psicanalista alemão nos impôs um novo ‘enigma da esfinge’ quando interroga: Ter ou ser? Não tem tênis, joia, carro, roupa, gadget ou perfume que preencha esse vazio, esse buraco, esse desânimo e angústia.   

Ter um rosto bonitinho ou um body saradão não garantem uma mente leve e feliz. Xaveco de véio feio? Ha, ha, ha! Observe como você pode encontrar pessoas humildes, ganhando pouco, que vivem em lugares sem qualquer glamour, com pouca exposição social e, no entanto, são insuportavelmente felizes. Gente simples que não se aguenta de tanta alegria e satisfação de viver. Enquanto é possível encontrar gente com muitos recursos, festejados e celebrados, com casas, carros e muita bajulação, mas com baixa autoestima e mais baixo ainda nível de satisfação, solitários e infelizes. Compram tudo e muito mais e nunca, nada é suficiente.

Ah tá! Os belos esbeltos vão me lacrar ou cancelar. Isso é mesmo papo de véio feio. Sim e eles estarão muito corretos. Idoso, fofinho ou gordinho (ão) e grisalho, sou a síntese ou, o modelo do fora de moda. Sei que não sou e, não quero ser, o normal à moda. A moda tem esse nome porque, antes de expressão de beleza ou de bom gosto, é um conceito básico de estatística para classificar um valor específico como o mais frequente em um determinado grupo ou conjunto.

Essa definição de moda é bacana exatamente para mostrar que, ao contrário de algo distintivo, representa a frequência mais comum, só isso, num determinado grupo. É distintivo apenas para dizer que se repete mais, mas não é significa que tenha maior ou melhor qualificação. Destaca aquilo, todo e qualquer traço em comum, por menos razoável que seja. Deixe-se descobrir a delícia de ser único, imperfeito, com nossos medos e desafios. Este é o caminho de todo indivíduo saudável e com autoestima. Uma verruga, mancha, peso, altura, olhos, cabelo, orelhas tudo e cada detalhe pode trazer angustia ou afirmação para as pessoas. Escolha ser feliz.

Não perceber ou entender isso é um sintoma de desinteligência, de ignorância. Ignorância gera insegurança; Insegurança gera medo; Medo gera aversão que gera arrogância que, gera ignorância. Entende a armadilha? É uma ladainha que se completa e se repete num perverso círculo vicioso virulento. Restam ou sobram ódio, mágoas e ressentimentos. 

Ei, esquece, nem tente ‘esclarecer’ o infeliz infectado por esse vírus. Inseguro e infeliz poderá ficar mais revoltado e você, querendo ajudar, pode acabar aumentando e acelerando o processo. Muito pior, num clássico triangulo neurótico não é difícil o indivíduo nos envolver nesse jogo ou armadilha e entrarmos na paranoia. Os ´narcisos' precisam de ajuda profissional para encontrar o caminho da gentileza. Isso explica, em boa parte, o comportamento, por exemplo, de muitos radicais, sejam eles de qualquer orientação política, religiosa, futebolística etc.

Por último um pouco de cultura nerd também ajuda. Lembro-me de ter assistido um episódio da série Jornada nas Estrelas, lá nos anos 1970, que passava nos canais abertos de tv e, detalhe, só existiam canais abertos.  A tripulação da Enterprise chegava a um planeta onde todos os habitantes usavam máscaras. Não me lembro de outros detalhes, mas a imagem poderosa que gravei em minha mente era o motivo porque usavam tais adereços.

Alerta de spoiler! Não ficava claro, no início, o motivo de usarem aquelas mascaras até que, perto do final, vários indivíduos tiraram suas máscaras. Quem assiste poderia imaginar que usassem por serem ‘feios’ ou por terem feridas, pústulas ou cicatrizes horríveis. Que nada! Eram todos ‘lindos’, daqueles, tipo antigos garotos-propaganda de margarina (propaganda eu disse! kkk). Os habitantes eram todos loiros de olhos claros com a pele lisa e rosada. Então, qual era o problema? O inferno é que eram todos sósias, corpos e rostos idênticos e isso era insuportável, pois não lhes permitia ter identidade, não se percebiam como indivíduos únicos.,

Idoso, eu já fui muito vaidoso, de se achar o cara, o tal e acreditava ser infalível, 'triple A'. Depois, aprendi com Bertold Brecht que podia errar, mas errar sempre diferente. “Inteligência não é não cometer erros, mas saber resolvê-los rapidamente.” Errar pode ser uma oportunidade extraordinária para aprendermos. O preconceito é um erro que todos cometemos um dia, é resultado de um laço forte por afinidade e, ou, um traço mais forte de personalidade. Eu agradeço todos os dias a chance de aprender e crescer, para tentar melhorar. Para isso, precisei aprender e saber perdoar. Quem? Os outros 'narcisos' que me afligiam? Não! A minha cega, vaidosa e ingênua inteligência. Descobri que a melhor ferramenta para realizar a beleza de eu ser humanao é usar o outro como espelho, funciona. Empatia! Experimente, o que é diferente pode ser sensacional.

sábado, 8 de abril de 2023

A páscoa operacional e o amor transcendental.

 

João Wagner Galuzio

Clássico e básico, sabe-se que a páscoa cristã tem sua tradição estabelecida a partir da páscoa judaica, ocasião quando Jesus chegou à Jerusalém para celebrar a ocasião. O evangelho (boa nova em grego) do Nazareno apresentava e representava uma grande mudança nas regras rigorosamente estabelecidas pelos então donos da liturgia. Mais do que os 10 mandamentos, o mandamento de “Amar a Deus acima de tudo e ao próximo, como a ti mesmo!” estabeleceu a síntese de todas as centenas de mandamentos da velha lei.

O trânsito de Jesus entre nós e, em especial nesta santa semana, celebrada a cada ano, é repleta de lições, ensinamentos, extraordinários simbolismos e metáforas em profusão. Cada gesto e toda palavra desse Santo Mestre estão eternizados na liturgia de todos os seus crentes, por todo o mundo, em todas e cada comunidade.

São eloquentes e emocionantes todos os ritos e rituais celebrados de modo cerimonial, com pompa e circunstância em cada igreja, no exato sentido que Jesus nos ensinou: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, lá estará a minha igreja.” Este cerimonial é envolvente, cativante e, também, excruciante quando testemunhamos Sua dor, Seu sofrimento.

Indispensável para celebrar, esse cerimonial, no entanto, é a parte física, visual, instrumental ou operacional da tradição. Essa profunda reflexão pode nos impor um verdadeiro estresse pós-traumático, uma “experiência” tão intensamente angustiante primeiro (o calvário) e, esfuziante depois (a glória), a passagem, a ressurreição. O cerimonial, lembro, é lado objetivo e operacional da celebração. Ratifico, indispensável.

Onde está o transcendental, o que é a sublimação, nesta celebração? Está na inspiração magnífica do Espírito Santo e na assunção vertiginosa de nossas melhores qualidades humanas, à imagem e semelhança do Criador, como: o amor essencial, a santidade natural, mesmo imperfeita, de todos nós, o perdão generoso, a gratidão incondicional. Fácil? Nada, viver essas qualidades, ou competências, exigem toda nossa inteligência, concentração e determinação para quase esboçar uma fração do que deveria ser a nossa manifestação divina. Como praticar e desenvolver isso? Eu tenho uma intuição.

Viver a oração que Ele nos ensinou. Sim, viver! Falar, cantar, gritar ou urrar aquelas palavras, o texto, não têm, nem de perto, a eficácia da nossa experiência de viver o caminho que lá está descrito. Lindo e verdadeiro, o Pai Nosso é um atestado de fé, de esperança e caridade muito sofisticado e muito elaborado para se viver.

Feliz páscoa sempre e enquanto vivermos, absolutamente, o Pai Nosso.

Pai Nosso que estais nos Céus, santificado seja o vosso Nome, venha a nós o vosso Reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. A seguir, faça como eu, uma ladainha especial e, familiar. Prepare a sua!

Santa Alice Assunta, orai por nós.

Santa Maria Inês dos gatinhos, orai por nós.

São Guerino do dedo verde, orai por nós.

Santo Irmão Darciso do caráter verdadeiro, orai por nós.