João Wagner Galuzio
Escrevedor e Cantador
Sempre fui medroso. Na infância, já na escola, não me envolvia em brigas. Depois na adolescência por vezes me vi constrangido por não colecionar lutas e encrencas. Não era de "sair no pau" ou de arrumar tretas ou confusões. Mesmo encharcado dos hormônios próprios da idade, adolescer me foi isento de escoriações e hematomas.
Tratava-se, além disso, de um período de exceção. A ditadura determinava com rigor um comportamento manso da sociedade em geral. Vivia-se uma "pax brasiliana" onde não se era permitido pensar ou contestar. Mas os costumes boêmios, esses eram tolerados e até preservados. Os costumes de um lado e a repressão por outro, pareciam inibir a brigalhada.
Como era franzino não me atracava com os valentões de plantão. Eu era medroso mas atrevido. Então, medroso e atrevido demorei bastante até começar a entender esta contradição e é sobre isso que quero me estender.
Tinha treze anos e, eventualmente, tomava o ônibus de Santo André com destino a São Paulo ou para ir a um cinema ou para vagar pelos caminhos solertes daquele bairro hoje apelidado, pejorativamente, de cracolândia. Varara desde a rua Barão do Triumpho até a Estação da Luz e, depois, variava até o Parque Dom Pedro II onde, recentemente àquele tempo, haviam instalado um grande terminal de ônibus.
Ia e voltava, zanzava à noite e jamais me senti sequer ameaçado. Era abordado sim, como era de se esperar, por mulheres ansiosas que me desejavam o parco dinheiro que levava. Brigas? Haviam com certeza e as testemunhei, nunca as protagonizei.
Apesar de pacífico, até dócil, descobri mais tarde que algumas pessoas revelassem ter medo de mim. A confusão me consumiu. Como seria possível que pudesse eu impor tal emoção a outrem? Ao mesmo tempo a situação, o contexto social em célere transformação com o crescente desemprego e a desesperança alteravam o modo e a intensidade das rixas.
Agora e já faz algum tempo, não se briga mais. As diferenças se resolvem de forma líquida e descartável. Ou não se estabelece o conflito ou se recrudesce ao extremo de modo cruel e muitas vezes fatal. Não bastasse o avanço da violência, mais velho e portanto, fisicamente mais vulnerável, fui assaltado mais de uma vez e, em todos os casos, contra a minha vontade, vocação ou natureza enfrentei e resisti aos ataques. Sempre com muito medo.
Certa vez, fardado de executivo, levava uma pasta igualmente esnobe na Baixado do Glicério, região no centro de São Paulo conhecida pelo alto índice de furtos e assaltos. Surpreendi dois rapazes que olhavam e sinalizavam entre si como quem diz: -"Veja lá o bobão, perdeu o playboy." Pude intuir o provável diálogo enquanto caminhavam rápido em minha direção. Entre apavorado e desesperado comecei logo a caminhar.
Caminhava na direção deles. Esta minha iniciativa imbecil os confundiu e, ao contrário de completarem o assalto mudaram a direção e bateram em retirada, sempre olhando para trás tentando entender o que aquele "tiozinho" estava armando uma vez que agora eu os perseguia, lentamente mas determinado. Mal sabiam eles que estava quase em pânico, o medroso.
Não me orgulho deste comportamento algo primitivo mas tais ocorrências exigiram novos enfrentamentos ainda que apenas e tão somente entre a razão e a emoção. Neste exercício para tentar compreender a minha atitude nessas situações de crise percebi que a confusão não estava na ação mas no conceito.
Hoje entendo melhor que o medo é a atitude positiva e inteligente da consciência responsável acerca dos riscos envolvidos em momentos de crise.
Se o medo é a emoção, a coragem é a razão, a consciência deste sentimento. A coragem permite reconhecer e avaliar riscos para desafiá-los com alto nível de auto-controle. O indivíduo corajoso usa o medo para se preparar melhor e elaborar estratégias alternativas diante de situações críticas. O valente, diferente disso muitas vezes, parece desprovido de raciocínio e por impulso não avalia ou subestima os riscos.
O medo não me representa mais constrangimento ou vergonha, apenas a confiança de que tal sentimento não deve me controlar, bastante ao contrário, eu o utilizo como ferramenta para alavancar o meu crescimento e, controlado, pode ser incrivelmente útil.

Um comentário:
Texto inteligente e não poderia deixar de ser, mesmo por que, foi escrito por você... Deu até rima... Parabéns meu Amigo João Wagner... confesso que sinto medo em encarar grandes desafios no trabalho, porém como você mesmo frisou, é esse mesmo medo que me motiva ir para cima. Adorei!!!!!
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