João Wagner Galuzio
Escrevedor e Cantador
Gennaro era italiano e, como tal, eu o tratava por “Paesano” ao que ele devolvia com o seu habitual bom humor tonitruante. – “Fala professor, cadê a ‘Juliana?’”, como a procurar pela minha Mariana. Não que ele não soubesse o seu nome, a confusão o fazia de modo deliberado, do seu jeito peralta e faceiro. Sempre jocoso, esse velho amigo baixinho mancava. Os ossos o massacravam e ia para todo lado com seu entusiasmo e a voz rouca, como se fora um personagem de Adoniran esbanjando energia. Do alto de sua pouca estatura brindava-nos com seus comentários entre divertidos e curiosos. Mancava, mas não claudicava.
Solícito lhe caberia bem por
sobrenome. Gennaro, o Solícito! Incapaz de ser indiferente. Atento a tudo, não
perdia o contato com quem ele estivesse atendendo. Contagiava a todos com sua
amizade. Por diversas vezes me apresentou a outros clientes com a intimidade
que apresentamos nossas famílias. Penso que outros como eu assim se sentiam, um
pouco sua família. Para uns poderia ser o tio bonachão, outros talvez pudessem
encontrar em suas palavras e na sua atenção, os conselhos de um pai.
Para minha filhinha, que não conheceu
seus vovôs senão apenas em filmes e fotos, ele era querido como um vovô muito
bonzinho. A Mariana havia a pouco
completado dois anos quando, a pé, voltava da escola de mãos dadas com a Neide (naquele tempo nossa funcionária do lar, hoje nossa amiga querida) e, todos os dias, divertia-se a gargalhar dos berros gentis e incandescentes do Gennaro, acenando sua mão do jeito malemolente como só o italiano sabe
fazer. Não encontrá-lo a deixava um pouco frustrada.
Agora às vésperas de completar doze
anos, Mariana não conhece outra realidade sem o Gennaro. A
notícia de sua morte foi tão acachapante para mim, como uma passagem do filme
Cinema Paradiso quando, logo no começo, o protagonista recebe de modo
implacável, por telefone, a notícia: – “Alfredo morreu”.
Desde que vi este filme, essa
frase impregnou-se em minha alma e em minha mente de modo indelével. Jamais
outra vez soube de um falecimento, sem que essa frase gritasse em minha
consciência. Dita de modo pragmático e objetivo é a pura e dura expressão do
irremediável, do irreversível.
Muitas vezes passava pelo posto
de gasolina, onde ele atendia, apenas para roubar-lhe um pouco da sua graça e alegria.
Poucos dias antes de sua despedida estive lá e juntos nos divertíamos com
amenidades. Estava radiante como sempre e, como soube da cirurgia e de suas consequências
vários dias depois de seu trânsito, restou-me ainda uma última referência de Adoniran.
O meu arrependimento pessoal de
nunca haver registrado, com ele, uma foto sequer. “Iracema tenho suas meias e seu sapato,
[Iracema] eu perdi o seu retrato”, cantava o célebre compositor e proseador paulista,
enquanto eu terei de levar na lembrança apenas sua veia sincera e seu recato generoso
Gennaro.
Passar em frente ao posto de
serviços, onde trabalhava e saber que não o ouviremos mais, deixa um enorme vazio
no peito, mas sei e espero que minh‘alma saberá encontrar na sua memória
o conforto para aplacar a dor do seu passamento. Fica uma certeza. O céu é,
desde o Gennaro, um lugar muito mais interessante, divertido e caloroso.
Alfredo morreu, o Gennaro não. Ele sempre viverá em mentes e corações.
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