segunda-feira, 20 de março de 2017

Brasilia, Braziland ou Brasilistão?

João Wagner Galuzio
Escrevedor e Cantador

BRASILIA, BRAZILAND OU BRASILISTÃO?

O bicho 'sapiens' é um mamífero gregário por natureza, desde quando vivíamos em bandos nas árvores, há milhões de anos e, em tribos e clãs desde umas poucas centenas de milhares de anos. Somos e nos tornamos todos mais viáveis, quanto mais e melhor soubermos viver bem integrados uns com os outros.
A evolução humana experimenta e alterna momentos de franca evolução, muitas vezes em função do ambiente, mais ou menos adverso e hostil, que exige radical adaptação, em séries de mudanças que levam a uma terminal revolução. Ou muda ou nada.

Ah, eu sei que sou dramático, mas não sou exagerado. Se as mudanças são inerentes e inexoráveis ao nosso desenvolvimento humano e marcam o compasso de nossa evolução, mudanças muito intensas e bastantes vezes mais frequentes e aceleradas, por vezes 'atravessam o samba' num sincopado que pode até levar à fibrilação do nosso frágil tecido social ou nacional.

Vivemos uma revolução sócio-econômica-filosófica-cultural-etcetera-e-tal, em grande parte estimulada pela concomitante revolução tecnológica. Inovações técnicas e metodológicas vão à frente num andamento prestíssimo [andamento veloz], enquanto nossos comportamentos e costumes seguem 'larghissimo' [andamento muuuuito lento (sic)]. Uma das consequências disso é uma confusão moral que não poupa nem mesmo algumas de nossas mentes mais preparadas que, inteligentes, mas cartesianas, sucumbem a esse hiato que não é essencialmente racional, mas passional.
Resultado dessa confusão, nossos valores humanos, aqueles fundamentos que compõem, ao mesmo tempo, o alicerce e o horizonte de nossa gente, são vilipendiados, para não dizer massacrados. Numa fase anterior, já experimentávamos o que se convencionou chamar de 'inversão de valores' que, já no Século XIX Ruy Barbosa denunciava:

“De tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se de justiça e ter vergonha de ser honesto. ”

Neste início de Século XXI, tantas redes sociais virtuais, efêmeras e superficiais, vão se  enroscando até quase rasgar a complexa malha que forma uma nação, excluindo as diferenças, linhas diversas que deveriam abrigar. Parece que vamos involuindo a um nível em que pouco se percebe a inversão, pois parecem extintos os valores. Conectados, mas desintegrados, somos indivíduos que enxergamos, reconhecemos e valorizamos cada vez mais nossos próprios e exclusivos valores individuais. Vemos a nação se esmorecer em grupos, comunidades ou corporações que, ou degringolam em movimentos sociais 'orwellianos' ou milícias xenófobas, que se reduzem a 'coletivos', expressão que me parece bem adequada aos juntamentos de frações de interesses que buscam uma conquista particular em "flash mobs" insanos.

Todos os povos, em todo planeta, enfrentam ou já enfrentaram essas contradições, em maior ou menor grau, mas no Brasil estamos às vésperas de rasgar o manto da consciência nacional, o que poderá nos impor uma fatura impagável e implacável. Devemos, e não podemos tardar, decidir nosso destino, o que desejamos para os nossos descendentes para os séculos que virão. Qual tradição iremos adotar para realizar o nosso 'Brasilia'? Assim mesmo, masculino, sem acento, em latim: Brasil.

Na tradição da cultura anglo-saxã, 'land' é o sufixo utilizado para designar a terra ou o lugar próprio de um clã ou de uma tribo. England ou, ‘Ingla-terra’, é o território do 'anglos' ou, ingleses. Na Ásia, 'istão' é o equivalente sufixo nos idiomas daquela região, para identificar a condição daquelas etnias 'que ficam ou se estabelecem' num determinado território. Por isso, vemos lugares próprios dos que são curdos, dos que são afegãos etc. denominados, respectivamente, Curdistão, Afeganistão, entre outros.
O léxico romano também destaca um sufixo [-ia] para indicar as pessoas de um lugar como pode-se encontrar tantos exemplos na forma original, em alguns casos como -'Germânia', 'Hispânia' e 'Brasília' ou, como em outros casos, o sufixo se mantém, veja-se Itália, Suécia, Índia, Rússia e Croácia, entre centenas.
Então obstino. Nós brasileiros, que país pretendemos para nossos filhos, qual é a nossa vocação? Que futuro iremos preparar? Enquanto muitas nações, que superaram a barbaridade e hoje demonstram algumas evidências de alto nível de civilidade seguem o modelo "land" exatamente por saber valorizar a diversidade, de outro lado, tristemente, muitos dos "istãos" parecem ter perdido a memória de um passado que, quando não glorioso, fora muito sofisticado e vão retornando, orgulhosos e determinados, quase à idade das cavernas, pois que em benefício de umas poucas etnias, vociferam o que parece diferente.

O nosso 'Brasilia' (ratifico: Brasil em latim) tem a oportunidade de escolher seu destino. Ou respeitamos e valorizamos as nossas instituições e diferenças ao jeito "Braziland" ou, se premiarmos as partes, as castas e as corporações de toda ordem política ou profissional, iremos definhar e depauperar num dramático e inviável "Brasilistão". A história é repleta de exemplos de nacionais que, desejando salvar interesses de grupos, uns versus os outros, todos perderam. Parece-me que não aprendemos. Eia pois, ouçamos a dolorosa sapiência histórica, outrossim, vibrantes sofreremos a deliciosa ignorância retórica.


Sim, a sabedoria da história, com azeda certeza é difícil, pois montar este “patchwork” social com matéria prima tão excêntrica, é encargo para aqueles que, maduros, transaram seus valores ancestrais e trançaram juntos seu futuro. A ignorância retórica é tão deliciosa quanto ardilosa. É doce e suave o caminho daqueles que se encantam (e se enganam) com a conversa gostosa dos que oferecem a seda lisa, fácil e suave, desde que, imaculada seja sua ‘pós-verdade’, neologismo eufêmico para estelionato intelectual, a falácia inefável. 

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