sábado, 17 de abril de 2021

Não acredite na ciência, entenda-a! Fé é da natureza das religiões.

 João Wagner Galuzio

Trocando uns dedos de prosa com meu irmão José Roberto, tentávamos entender como que, considerando os argumentos escabrosos e bizarros multiplicados todos os dias por negacionistas, pessoas inteligentes e razoáveis, ainda resistem a acreditar na ciência no que se refere ao enfrentamento da Covid-19. Neste instante, não me caiu uma ficha, mas um orelhão1 inteiro despencou sobre mim. Percebi que estamos jogando o jogo dos fanáticos, dos fundamentalistas, ou políticos, de quaisquer partidos, ou religiosos de qualquer denominação.  Os que são fanáticos odeiam a razão e, obsessivos, vivem em constante exaltação. São estimulados pela paixão ou afetados pelo medo, sempre irracionais.

Sem juízo de valor, crente como eu sou penso que seja oportuno lembrar ou entender algumas sutilezas. Acreditar é a manifestação da fé incondicional, da doce e mansa obediência a dogmas e certezas inexplicáveis e aquele que acredita não busca o saber, a fé lhe é bastante suficiente. A ciência ou, o conhecimento, muito diferente disso, não se sustenta pela crença ou pela fé. Duvidar é a manifestação da humildade indispensável da mente inquieta e sedenta por aprender. A certeza, estática e imutável, é a falência da ciência, pois o próprio conhecimento é, essencialmente, dinâmico e movediço. Não acredite na ciência, entenda-a!

Uma das estratégias para se impor uma certeza é a interrupção constante da voz daqueles que desejem apresentar uma hipótese alternativa. Não permitem que algum argumento diferente, mais ou menos coerente, seja considerado. Nenhuma frase, por menor que seja, encontra oportunidade de ser elaborada. O único modo em que os fanáticos operam, para controlar a cena é o passional, deslocando seus noviços para o nível primitivo, mantendo-os ora com medo, dizendo, por exemplo -“Nossa bandeira jamais será vermelha” e, ou, como remédio para elevar a autoestima uma simulação de patriotismo – “O Brasil acima de tudo...” Mais uma vez eu preciso ratificar: o fanatismo não escolhe orientação política ou religiosa. Há fanáticos que acreditam serem proprietários exclusivos da ética (autoestima) e odeiam a classe média patrocinando o medo ou ódio das elites (sic).

Não faz sentido sugerirmos aos fanáticos para que acreditem na ciência, seria como pedir que alguém, intrínseca e radicalmente, subordinado a uma fantasia ou alegoria pudesse adotar a ciência como se fora outra religião.  Que acreditem, com entusiasmo, no que quiserem, mas entendam que a ciência, complexa e sutil, generosa e flexível, trabalha objetivamente no nível racional, sem afetações. Impossível não extrapolar a carta de São Paulo aos Coríntios, em seu décimo terceiro capítulo.

O amor é paciente, é benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não faz nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza e não se alegra com a injustiça, mas fica alegre com a verdade. Ele desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo.

Assim como o amor é a ciência. Sem amor, a ciência se esvanece, mas com as suas virtudes é sensível, nunca radical. Não funciona com ódio, nem medo, não se prevalece.

Extremistas, nacionalistas ou populistas, como forma de manipulação, usam o sentimento de insegurança, de fragilidade e de vitimização para semear o medo. Instalado o medo, se apresentam como estandartes da autoestima virtuosa, necessidade de todos bons cidadãos que, ingênuos, se identificam e repercutem menos como robôs, e mais como tratores, aqueles rolo-compressores, com  discurso imperador e imperativo. Xenófobos, para manterem sua zona de conforto, usam da velocidade e da intensidade de seus ataques para, invertendo o sentido e significado dos diálogos calar os que pensam diferente.

Não é improvável que você conheça a frase apócrifa “Sempre acuse seus adversários do que é verdadeiro sobre você mesmo.” Algumas vezes atribuída a Lênin -sem evidências- esta sentença é bastante utilizada pela direita para denunciar eventual desvio de caráter da esquerda. De novo, de autor desconhecido, a frase parece se aplicar aos dois extremos políticos que têm, como traço comum, o mau-caratismo. Parece ser o modus operandi de todo aquele que pretende semear ódio e cizânia. Steve Bannon, por exemplo, ensina estratégia semelhante quando orienta algo como: ‘Ocupe a mídia e domine a pauta, nem que seja necessário dizer absurdos, mas não dê espaço para o discernimento ou razão.’

A quantidade extraordinária de mensagens com fake news, que se sucedem em poucos minutos, todos os dias, faz parte dessa estratégia passional. Essa avalanche de falácias não dá tempo para que se possa processar qualquer informação. Uma vez doutrinado, o sujeito irá objetar tudo que os outros possam querer lhe apresentar como argumentos alternativos. Ofuscado, mesmo desejando ser inteligente e sensato, será envolvido, novamente, uma bola de neve de mais noticias falaciosas que irão representar um reforço positivo aos seus dogmas ou estimulando sua autoestima ou afetando sua memória afetiva com bastante medo. Está posto o círculo vicioso do medo e autoestima. A ciência? É estratégia do inimigo! Professores? Que sejam desmoralizados. Idiotas? Se cumplices, que sejam tratados como renomados especialistas, para que simulem uma ciência carismática e medieval, para que todos convertidos nela acreditem. 



1 Para os muito jovens, ‘orelhão’ era um equipamento telefônico público, disponível nas ruas, cujo  formato se assemelhava vagamente ao nosso pavilhão auricular. Como se fosse uma cabine telefônica, onde usávamos fichas que, por vezes, se não ‘caiam’ não completavam a ligação.

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