João Wagner Galuzio
Trocando uns dedos de prosa com
meu irmão José Roberto, tentávamos entender como que, considerando os argumentos
escabrosos e bizarros multiplicados todos os dias por negacionistas, pessoas inteligentes
e razoáveis, ainda resistem a acreditar na ciência no que se refere ao enfrentamento
da Covid-19. Neste instante, não me caiu uma ficha, mas um orelhão1 inteiro
despencou sobre mim. Percebi que estamos jogando o jogo dos fanáticos, dos
fundamentalistas, ou políticos, de quaisquer partidos, ou religiosos de qualquer
denominação. Os que são fanáticos odeiam
a razão e, obsessivos, vivem em constante exaltação. São estimulados pela paixão
ou afetados pelo medo, sempre irracionais.
Sem juízo de valor, crente como eu
sou penso que seja oportuno lembrar ou entender algumas sutilezas. Acreditar é a
manifestação da fé incondicional, da doce e mansa obediência a dogmas e
certezas inexplicáveis e aquele que acredita não busca o saber, a fé lhe é bastante
suficiente. A ciência ou, o conhecimento, muito diferente disso, não se sustenta
pela crença ou pela fé. Duvidar é a manifestação da humildade indispensável da mente
inquieta e sedenta por aprender. A certeza, estática e imutável, é a falência da
ciência, pois o próprio conhecimento é, essencialmente, dinâmico e movediço.
Não acredite na ciência, entenda-a!
Uma das estratégias para se impor
uma certeza é a interrupção constante da voz daqueles que desejem apresentar uma
hipótese alternativa. Não permitem que algum argumento diferente, mais ou menos
coerente, seja considerado. Nenhuma frase, por menor que seja, encontra
oportunidade de ser elaborada. O único modo em que os fanáticos operam, para
controlar a cena é o passional, deslocando seus noviços para o nível primitivo,
mantendo-os ora com medo, dizendo, por exemplo -“Nossa bandeira jamais será
vermelha” e, ou, como remédio para elevar a autoestima uma simulação de
patriotismo – “O Brasil acima de tudo...” Mais uma vez eu preciso ratificar: o fanatismo
não escolhe orientação política ou religiosa. Há fanáticos que acreditam serem
proprietários exclusivos da ética (autoestima) e odeiam a classe média
patrocinando o medo ou ódio das elites (sic).
Não faz sentido sugerirmos aos
fanáticos para que acreditem na ciência, seria como pedir que alguém, intrínseca
e radicalmente, subordinado a uma fantasia ou alegoria pudesse adotar a ciência
como se fora outra religião. Que
acreditem, com entusiasmo, no que quiserem, mas entendam que a ciência,
complexa e sutil, generosa e flexível, trabalha objetivamente no nível racional,
sem afetações. Impossível não extrapolar a carta de São Paulo aos Coríntios, em
seu décimo terceiro capítulo.
“O amor é paciente, é benfazejo; não é
invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não faz nada de vergonhoso,
não é interesseiro, não se encoleriza e não se alegra com a injustiça, mas fica
alegre com a verdade. Ele desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo.”
Assim como o amor é a ciência. Sem
amor, a ciência se esvanece, mas com as suas virtudes é sensível, nunca
radical. Não funciona com ódio, nem medo, não se prevalece.
Extremistas, nacionalistas ou
populistas, como forma de manipulação, usam o sentimento de insegurança, de fragilidade
e de vitimização para semear o medo. Instalado o medo, se apresentam como
estandartes da autoestima virtuosa, necessidade de todos bons cidadãos que,
ingênuos, se identificam e repercutem menos como robôs, e mais como tratores, aqueles
rolo-compressores, com discurso imperador e imperativo. Xenófobos, para manterem sua
zona de conforto, usam da velocidade e da intensidade de seus ataques para,
invertendo o sentido e significado dos diálogos calar os que pensam diferente.
Não é improvável que você conheça
a frase apócrifa “Sempre acuse seus adversários do que é verdadeiro sobre você
mesmo.” Algumas vezes atribuída a Lênin -sem evidências- esta sentença é
bastante utilizada pela direita para denunciar eventual desvio de caráter da
esquerda. De novo, de autor desconhecido, a frase parece se aplicar aos dois
extremos políticos que têm, como traço comum, o mau-caratismo. Parece ser o
modus operandi de todo aquele que pretende semear ódio e cizânia. Steve Bannon,
por exemplo, ensina estratégia semelhante quando orienta algo como: ‘Ocupe a
mídia e domine a pauta, nem que seja necessário dizer absurdos, mas não dê
espaço para o discernimento ou razão.’
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