João Wagner Galuzio
Escrevedor e Cantador
Os brasileiros muito jovens se não se lembram, os mais velhos sempre os fazem saber que houve um tempo neste país em que o poder aquisitivo era muito alterado para menos em razão de horas. Uma visita aos mercados um ou dois dias depois do planejado representava uma evidente e substancial menor quantidade de produtos nos carrinhos.
Clássica e jocosamente, economistas e jornalistas referem-se à inflação como um dragão. Quimera mítica capaz de consumir e destruir tudo que lhe atravessasse a frente, crescendo de modo incontrolável.
Quase vinte anos depois, o dragão virou uma droga. Bom, pelo menos é como fazem parecer nossas autoridades monetárias, viciadas em gastos públicos e dependentes de uma ideologia esquizofrênica. Sonham um socialismo romântico e, abominando o liberalismo, constrangidas mal disfarçam a privatização, apenas mudando o nome “concessão”.
As drogas, especialmente aquelas que alucinam, exercem um efeito comum e devastador sobre seus dependentes. Além do torpor e da letargia, oferecem tanto prazer que, diante da realidade incontornável e insuportável, todos seus usuários têm convicção de que exercem absoluto controle sobre elas e acreditam que podem se abster, a qualquer tempo natural, cândida e espontaneamente. Depois da alegoria, veem-se depauperados, corroídos e desestruturados pelo monstro, droga ou dragão, desesperados por mais uma dose de euforia.
Passados estes tantos anos a lenda do dragão parece uma fábula ancestral de tempos longínquos, irreal e surreal. A ausência de retrospectiva promove uma psicodélica perspectiva de que o bicho não passa de uma lagartixa, inofensiva. Aqueles que pretensamente pensam poder controlar a inflação revelam-se como dependentes desta droga econômica e social que consome povos e nações.
Poderiam, ou deveriam fazer como os Alcoólicos Anônimos que celebram cada dia de abstinência como mais uma pequena vitória e independência, mantendo e renovando sempre os fundamentos que viabilizaram a estabilidade dentro de metas objetivas e necessárias. Cada dia deve representar a coerência, às vezes impopular do exercício da razão, lembrando Renato Russo que há tempos já ensinava – Disciplina é liberdade... Mas esse é o caro e antipático preço da liberdade, a coerência madura e responsável.
Ah, mas é tão sedutora a ilusão da popularidade que inebria até o mais pragmático dos burocratas tornando-o narcisista e populista, causa e efeito deste delirium tremens econômico que mascara resultados e sonha índices que não apontam, mas acusam sua inépcia.
Eis-nos mais uma vez diante deste nauseante círculo vicioso, dependentes cada vez mais quanto mais altivos e seguros, na certeza insofismável de nosso poder incondicional sobre o dragão, deliramos. Inflação, droga ou dragão, a certeza é a submissão.

Nenhum comentário:
Postar um comentário