sexta-feira, 28 de junho de 2013

Ausência de malícia

João Wagner Galuzio.
Escrevedor e Cantador

Neste nosso inverno brasileiro de 2013, talvez inspirados por manifestações como as havidas recentemente em vários pontos do planeta como a Primavera Árabe e o Occupy Wall Street, veem-se por todo o país uma sucessão de eventos semelhantes, uns mais tensos e belicosos, outros mais extensos e pacíficos. 

O que se iniciou como localizadas e focadas manifestações inter-relacionadas, organizadas para contestar o aumento das tarifas de transportes públicos e, mais do que isso, a própria extinção destas tarifas converteu-se, vertiginosamente, num conjunto de protestos generalizados, difusos e independentes. Viu-se como que uma explosão de cidadania em diversas camadas sociais, de todas faixas etárias e muito especialmente dos muito jovens, o que é deveras auspicioso. 

Cientistas políticos e sociais, jornalistas e economistas, advogados e autoridades entre outros profissionais foram surpreendidos pela qualidade e dimensão dos fatos. Esboçam, de modo confuso, argumentos, hipóteses e teorias para tentar analisar e explicar o que está acontecendo e, ou, prever suas possíveis consequências e desdobramentos. A classe política, da extrema esquerda à ultra direita, desmoralizada se ressente do caráter apartidário e da virtual aversão que a sociedade está demonstrando nas ruas.

Eu, candidamente, não irei enfrentar esse desafio de tentar esclarecer, sem me escusar dos vícios naturais próprios de um ingênuo e idealista que sou e que posso cometer. É surpreendente, no entanto, observar que algumas considerações parecem, no mínimo, apressadas, irresponsáveis e, para dizer o mínimo, confusas.

Duas confusões me incomodam particularmente. A primeira e menos importante diz respeito ao slogan "Sem Partido" que a maioria dos manifestantes tem gritado, escorraçando bandeiras de agremiações políticas que, aos olhos do povo, parecem oportunistas e sem moral para adotar e explorar as massas. Vi mesmo um cientista político num jornal de TV a cabo, indignado com esta situação diante do registro de uma ocorrência em que a turba aos urros, expulsava integrantes de um partido quando tentavam agitar suas bandeiras. 

- É muito grave e extremamente preocupante que as pessoas façam isso, pois as 'instituições' precisam ser preservadas, senão teremos o caos, bradava o intelectual. O que ele, talvez mais ingênuo do que eu, se esqueceu de considerar é que exatamente o grupo execrado na passeata tem, por princípio, ojeriza às instituições, patrocina o escárnio às leis e à civilidade e quer ditar o seu bordão como se fora a única salvação. 

Os cidadãos, imagino a maioria, não estão e não são contra os partidos, mas contra a demagogia. Queremos e até gritamos por "partidos sim" efetivos, éticos e responsáveis. Protagonistas da moral cívica, coerentes com seus discursos e propostas, no lugar adequado, a saber, nas casas legislativas, municipais, estaduais e no congresso nacional.

A segunda confusão e mais importante refere-se ao ufanismo exacerbado, emblemático em cartazes como "o gigante acordou" e assemelhados, deslumbrados com a "consciência" do brasileiro que teria despertado depois de décadas de alienação, anestesia e silêncio. Admito que é contagiante reconhecer na multidão a cara pintada, mas limpa, da gente simples e humilde, irmanados todos em prol de distintos e distintivos valores patrióticos, com o necessário e delicioso destaque aos jovens. 

Depois da cortina de fumaça que as autoridades adotaram para gerir a crise e desmobilizar o movimento, a poeira vai baixando e se pode raciocinar com um pouco mais de isenção para constatarmos que continuamos os mesmos. Nós ao mesmo tempo odiamos a corrupção, enquanto buscamos a todo instante um "jeitinho brasileiro" para não cumprir alguma regra, por menor que seja para levar alguma vantagem. Esta nossa pretensa maturidade exigirá uma fulminante mudança de comportamento que não sei se estamos preparados para assumir enquanto nação.

Alguns poucos jovens com seus estandartes - e slogans - lutam por uma democracia, mas, ao arrepio da vox populi, vociferam contra tudo e contra todos que são diferentes e que pensam de modo diverso ao seu. Neuróticos, são vítimas de gente ardilosa, que sorrateiramente enxáguam seus cérebros inocentes e carentes.   

Radicais estes facínoras seduzem estas tenras e brilhantes mentes oferecendo-lhes auto-estima ao preço de sua capacidade de pensar e debater. Apesar da boa índole, estes adolescentes tardios e inocentes se compadecem, projetando ódio àqueles que ousam pensar em vez de os obedecer. Cordeiros comportam-se como lobos, julgando, rotulando e classificando sumariamente quem não matraca seus gritos de guerra. Gritam como se argumentos fossem, predicado (julgar) tão peculiar aos fascistas que impõem sua vontade aos outros, não obstante o matiz de sua flâmula. 

Falta-lhes experiência e malícia. Sugeriria, se me ouvissem, que  assistissem a três filmes para refletirem sua atitude. O primeiro "Ausência de Malícia" com o inigualável Paul Newman e a "então jovem" Sally Field, produzido em 1981. Depois, o filme "Twelve angry men" de 1997, cujo título foi maltratado no Brasil convertendo-se em "Doze homens e uma sentença". Há uma primeira versão de 1957, mas ambas são igualmente instigantes.



Por último lembrei-me do filme "Crash" de Paul Haggis, realizado em  2004 que escancara o universo de contradições, ambiguidades e paroxismos que envolve a complexidade de valores do homem moderno e a fragilidade das relações humanas. Ambientado nos Estados Unidos, reflete razoavelmente as caricaturas do ocidente. 

Há que se ter um pouco de solenidade e humildade para investigar esse fenômeno extraordinário que ameaça solapar e pulverizar nossas certezas. 


Um comentário:

José Roberto GE Irmãos Villas Bôas 320° SP disse...

Então, caro "brother", já que sua intenção não é outra senão instigar as mentes atentas, embora ainda não seja esta minha real condição porque também não sei bem o que está por chegar e com tantas idiossincrasias talvez justamente porque Deus deixou de ser brasileiro? Estamos órfãos? Deixaram de pedir e começam a reinvidar? Que estado de consciência é esse que faz surgir uma nova política nas terras desta pátria e mãe tal gentil? Um novo ciclo avança destruindo o que é velho. Sempre e sempre a renovação dos ciclos. Das velhas formas de pensar e agir. Cultura rotineira do passado que não tem mais lugar no coração pulsante dos jovens. Jovens rebeldes por oportunidades,liberdade e expansão do espírito criativo que repousa dentro do coração, bem nas profundezas da alma, lá onde o Grande Espírito libera parte de Si, como Novo Filho Pródigo nesta Terra sempre tão sedenta de luz. Um filme também remete a situação vigente: Coração Valente: Lembra aquele velho carcomido pela lepra atrás da cortina, agindo sempre nas sombras, como que ditando o status quo? Sim, sempre o poder reinante (estado anterior de consciência) agindo como oposição ao novo. O pulsar do velho e do novo. Infinitamente. Desde que o homem é homem. Só que agora numa velocidade avassaladora, para os padrões atuais. Então seria o Homo Internectus o ressurgimento da Fênix? Não estavam sozinhos, apenas ainda não tinham se encontrado. Perdoai aqueles nos partidos. Partidos são plurais. As mentes humanas são plurais. Ó sim! Como terminam as revoluções? Ninguém sabe. Enfim, o futuro dirá.