quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Eficiência burra, o império (ou impropério) da razão.

João Wagner Galuzio
Escrevedor e Cantador


Era uma vez um planejamento que era para ser estratégico. Ideia lógica e elaborada para orientar as decisões das organizações e viabilizar resultados a longo prazo. Autores e pesquisadores consagrados, executivos e empreendedores bem sucedidos definiram e realizaram os seus fundamentos.

Eu, modestamente, simplifico seu significado, tratar-se de boas e melhores práticas de construir caminhos e soluções alternativas para alcançar objetivos e verificar novas possibilidades. Um jeito assim de, ser agente da mudança de seu destino pessoal ou empresarial. Pessoal pois também nós podemos imaginar carreiras alternativas e complementares. Apesar de inúmeros ótimos exemplos de implementação, o conceito sucumbiu ao imediatismo pragmático dos resultados objetivos, disseminado em quase todas empresas e organizações. Prevalecendo a eficiência em prejuízo da eficácia.

Como resultado pode-se observar esplêndidas e idealistas declarações de Missão Institucional, versões incríveis de metas e objetivos estampados na Visão Corporativa em agendas, várias até bem coerentes. Valores que são declamados em prosa e verso em placas de bronze, banners virtuais, selos, bottons e crachás, mas...
-“Caramba, mas e mais o que?" Você pode perguntar. 

... falta-nos o essencial. Queria evitar a citação para não parecer clichê, acontece que é inevitável. O apóstolo Paulo já, há quase dois mil anos, lembrava aos Coríntios, sem nenhuma conotação ludopédica (sic) que, apesar de toda sua sabedoria, ele poderia até mesmo a língua dos anjos falar, sem amor não restava sentido.

- Ei! Conversa de amor no discurso das organizações!? Fala sério, outro pode estrebuchar. Mas é precisamente disso que estou falando. Falta-nos entender o capítulo treze da epístola paulina. 

Fazer, executar, operar, proceder, trabalhar, empreender, implantar, manter ou mudar, além de planejar, organizar, dirigir e controlar, estas funções mínimas de todo empreendedor, tudo isso sem entusiasmo, acaba inútil. Muito esforço e eficiência sem eficácia. 

Quando empresas diversas sonham com trabalhadores eficazes, os batiza de intra-empreendedores, imaginando-os com farda e camisa de funcionários, mas com alma profissional. Ótimos funcionários obedecem a normas e procedimentos com a inteligência e disposição das melhores Unidades de Resposta Audível – URA, aquele robozinho surdo que nas ligações telefônicas nos mandam, sempre em vozes gentis,  digitar uma sequência interminável de opções e, sem emoção, não falam ao coração. 

Outro dia, dizia aos meus colegas aprendentes e aprendizes nas escolas onde professo a causa da eficácia, estava num banco buscando resolver um problema que se arrastava durante todo o período de greve, nesta campanha trabalhista de 2013

Era minha primeira visita àquele banco e agência, então procurei o gerente de atendimento para que me orientasse. Solícito, e muito elegante, levantou-se ao me estender a mão. Dispôs-se a ajudar e orientou-me como proceder.

-Retire uma senha e o senhor será atendido no “caixa expresso”. Exultei. Imaginava, ora ‘expresso’, então o atendimento será específico e objetivo. Para minha surpresa havia biombos a separar os atendentes e a repleta fila de cadeiras onde os que seriam atendidos (jamais entendidos) esperavam mansamente. Depois de alguns dez minutos, quando já muitas senhas dos outros caixas eram chamadas sucessiva e freneticamente, finalmente o painel de LED de cor vermelho-sangue-nos-olhos, anunciou uma primeira senha na mesma classificação 'expressa' como a minha.

O número? 5019! Eu, 5038, desabei.

Resignado dizia em voz baixa e tentava me convencer: “Depois de três semanas de greve, no primeiro dia de restabelecimento do serviço eu venho e quero rapidez. Calma João!”  Espiei furtivo por trás dos biombos e constatei haver quatro atendentes em exercício. Arrisquei perguntar explicando o procedimento que me atormentava. Sorridente e generosa a jovem assentiu. –”Sim, o senhor já será atendido pelo ‘caixa expresso’ o único destacado para esta função”.

Voltei para o meu lugar, olhei o placar e já se passavam quarenta minutos desde quando havia retirado a senha e o 5022 acabara de ser chamado. Outros clientes estavam nervosos e eu, estranhamente, talvez um pouco anestesiado, rezava. O caldo entornou em seguida quando, depois do 5022, o placar anunciava o próximo número: 5045... Hein?

Ah, não! Corremos todos que esperávamos, doce e amargamente, ao caixa expresso onde, surpresa, não era mais a mesma menina quem estava atendendo antes. Ela, como todos, esboçou um sorriso (que, àquela altura já parecia deboche) e nos tranquilizou a todos. Todos? Quem eram 'todos' (de 5023 a 5044, seria vinte e dois) a essa altura? Éramos três. Dezenove almas haviam se desgarrado deste humano rebanho

Muito eficiente, a nossa algoz pôs-se a chamar cândida e ‘polianamente’ todos os números. Nesta procissão eletrônica de ausências sucessivas, consumiram-se outros cinco minutos até que, cinquina, 5038, eu.

Enquanto era atendido mais uma novidade. Recebi o meu novo cartão de débito com o meu nome grafado JOO. É, de João virei JOO. A esta altura, quase duas horas na fila e 14 horas no relógio, veio minha namorada resgatar-me, talvez desconfiada deste meu ‘almoço executivo’ mal explicado.

Depois de narrar a epopeia dei-me conta de que todos, o gerente, os atendentes e a expressa funcionária estavam tranquilos e serenos por terem cumprido eficientemente o protocolo, sem enxergar além dos biombos.

Mais um minuto de conversa e reflexão foi suficiente para lembrar-me de inúmeras situações em que somos atendidos de modo gentil e inútil. Operadores de telefonia, de cartões de créditos ou de órgãos públicos que, quando conseguimos acesso, são muito prestativos com seus procedimentos imprestáveis. 

Estupefato, calei-me ao tentar medir o meu quinhão nesta eficiente conspiração. Percebi logo que estamos todos eficientes esquizofrênicos, bem adestrados, repetindo protocolos sem qualquer envolvimento ou emoção. Um provérbio de Voltaire hoje muito popular me veio à mente: “O ótimo é inimigo do bom”. E assim vamos buscando a boa eficiência e perdemos de vista a eficácia, o ótimo.

No Planejamento Estratégico? Igual... Veem-se lindos discursos vazios. Ou, quem já não viu empresas gravando sua Missão nos crachás dos funcionários, menos na mente ou no coração. Em dia de auditoria do sistema, ficam todos recitando a cantilena missionária. Quem já viu uma reunião de diretoria em que o diapasão das decisões era o conjunto de Valores, como uma lista de compromissos para garantir a coerência entre a prática e a falação? Nada, espero bastante ansioso conhecer quem o faça.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Pedagogia Empresarial – Uma alternativa efetiva de Gestão do Conhecimento para a Educação Corporativa.




João Wagner Galuzio
Escrevedor e Cantador

Alvin Toffler em seu livro “A terceira onda” apresenta uma análise da evolução humana em que classifica algumas das principais revoluções de nossa história e as denomina como “ondas”.
A primeira onda refere-se ao estabelecimento do homem em comunidades que se fixavam ao território explorando a agricultura e, por consequência, abandonando o caráter nômade que prevalecia até então. Surge um conjunto mais elaborado ou regulado, diversificado e complexo de famílias ou clãs, que encontra terreno bastante fértil na Mesopotâmia entre os rios Eufrates e Tigres, derivando para o conceito de “civilização” como conhecemos hoje.
Depois desta primeira onda, uns poucos milhares de anos atrás, o homem desenvolve novas tecnologias de produção no contexto da “Revolução Industrial” a cerca de 300 anos, repercutindo em novas organizações ainda mais elaboradas e formas de trabalho mais especializadas, denominada “a segunda onda”. Desde a segunda metade do século XX, em parte em função do muito alto nível de desenvolvimento dos sistemas de informação e de comunicação, passa-se a observar uma nova inflexão na nossa brevíssima história humana, cuja principal inovação, segundo Toffler, “está no fato de que o conhecimento passou a ser, não um meio adicional de produção de riquezas, mas, sim, o meio dominante” (grifo nosso).
É bastante verdade que enquanto muitas empresas percebem esta realidade e até mesmo ampliam os seus limites produzindo, todos os dias, o estado-da-arte das estratégias e estruturas organizacionais compatíveis a essa nova “Sociedade do Conhecimento”, outras empresas parecem estacionadas no início do século XIX. Sim, século dezenove, você não leu errado e, de fato, não é raro as encontrar surgindo e, principalmente, desaparecendo depois de iniciativas até empreendedoras, mas míopes e insustentáveis.
Aqui se pretende entender minimamente alguns fatores determinantes e distintivos de sucesso das melhores empresas que buscam reconhecer, desenvolver e aplicar novas técnicas, práticas e saberes para a sua gestão integrada e o seu desenvolvimento sustentável.
A Administração, enquanto novo ramo do conhecimento das Ciências Sociais aplicado às empresas de toda natureza, cria e compartilha todos os dias fórmulas ou soluções inovadoras e inéditas para enfrentar o desafio da competitividade crescente e implacável num ambiente muito dinâmico e instável.
Entre tantas mudanças e inovações -muitas de modo efêmero- algumas parecem oferecer alternativas e possibilidades duradouras para esta terceira onda, como os conceitos de Gestão do Conhecimento e Learning Organizations ou, organizações flexíveis e adaptáveis que aprendem e melhoram de modo contínuo, reconhecendo e desenvolvendo conhecimentos necessários para a realização de cenários diversos e complexos.

Essas organizações ou empresas estão desenvolvendo amplos e sofisticados programas de treinamento e de desenvolvimento de seus profissionais de maneira integral e constante proporcionando a educação corporativa de toda a comunidade interna e, por vezes, a comunidade externa também. Integral porque combina aspectos eminentemente pragmáticos, técnicos e operacionais com outros de caráter afetivo-emocional e pessoal. É possível encontrar instituições que ao mesmo tempo em que transferem para suas equipes tecnologia bastante para utilização de caríssimos aplicativos de sistemas de informação, oferecem alternativas de desenvolvimento pessoal e investem na sua melhor qualidade de vida por meio de intervenções lúdicas e instrucionais como dança, ioga, artesanato, teatro etc.
Profissionais de diversas áreas têm sido escalados como executivos para garantir a mais efetiva gestão do conhecimento e a melhor educação corporativa dos funcionários das melhores empresas para trabalhar em todo o Brasil. Podem-se encontrar engenheiros, economistas, administradores e, principalmente, os que são graduados em ciências sociais como a psicologia, a pedagogia, a sociologia e antropologia, entre outros.
Não obstante esta variedade de profissões uma em particular parece se destacar como tendência de uma abordagem mais categorizada e preparada para desenvolver projetos de formação pessoal e profissional, pedagógicos e, também, andragógicos: a Pedagogia Empresarial. Esta modalidade profissional, bastante recente em todo o mundo, combina fundamentos da gestão do conhecimento para a mais eficaz educação corporativa.
Como todas novas profissões emergentes nesta era do conhecimento e da informação, a Pedagogia Empresarial aplica conceitos de administração como projetos e estratégia com conteúdos e metodologias próprias das ciências da educação e do comportamento humano. A formação interdisciplinar deste profissional é condição essencial para o seu sucesso.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Falácias, firulas e fofocas.

João Wagner Galuzio
Escrevedor e Cantador

Preciso ressalvar, por princípio, que não li e sequer tive acesso ao livro que pretende biografar o político José Dirceu de Oliveira e Silva, escrito por Otávio Cabral. Destaco ainda que a resenha elaborada por Mário Sérgio Conti, a que tive oportunidade de ler, a encontrei disponível num blog, o ComTextoLivre (contextolivre.blogspot.com.br) mantido por um “publisher” que não informa seu sobrenome, apresenta-se apenas como José Carlos. Esclareço este último detalhe apenas a título de registro e de vênia, jamais como omissão, erro ou julgamento, considerando que eu mesmo não sou eu, mas um avatar. Apenas cândido e "poliano".

Penso que, assim como eu, professor que sou, o jornalista também é um formador de opinião. Entendo, no entanto, que nosso ofício não deve impor opiniões, mas apenas instigar, apoiar e orientar o seu desenvolvimento nas mentes idealistas e muitas vezes inocentes, de nossos jovens. Dito isso gostaria de compartilhar algumas impressões acerca das crônicas, das notícias e das informações que veiculam em blogs, livros, jornais e revistas virtuais ou não, neste caso em particular, sobre a biografia do controvertido político brasileiro.

Se nos jornais e revistas, que são impressos regularmente, já era comum um espaço destacado para que os leitores pudessem manifestar suas opiniões, no ambiente virtual foram ampliados os canais de manifestação, com bastante prejuízo da qualidade dos comentários. Por vezes enviesados, tendenciosos e muitas vezes fanáticos e, ou, anônimos e, quando em vez, alguns comentários são produto de comentaristas 'engajados', eufemismo cínico para aqueles que são contratados para fazer propaganda de seus 'ídolos' patrocinadores.

Estas verdadeiras torcidas, com suas mentes uniformizadas, apaixonadas por seus ídolos, contaminam e são contaminadas por profissionais e professores que driblam a lógica, embaralham o conteúdo e, draconianos, vociferam fofocas com sarcasmo elaborado. Elaborado, para parecer crível e real.

Tem sido uma experiência especialmente gratificante orientar a pesquisa de meus alunos, cientistas juniores e encontrei neste episódio envolvendo tal biografia e sua resenha mais ácida, uma oportunidade para demonstrar a importância da metodologia científica como ferramenta de desenvolvimento do nosso conhecimento e formação da opinião razoável, responsável e fundamentada. Razoável ainda que refutável, já que opiniões são apenas extratos sinceros de perspectivas parciais, conquanto que não sabemos tudo.

Se de um lado o resenhista se revela, com bastante propriedade, um exímio investigador das minúcias e da acurácia de informações inócuas e deslocadas constantes na biografia objeto do livro, por outro lado o faz com esmero exagerado listando, salvo engano em meu inventário, 37 prováveis incongruências. Embora sejam muitos detalhes, me parecem 'erros de forma' quase risíveis que, em sua maior parte não afetam gravemente o conteúdo, mas exclusivamente o estilo, lamentável é verdade.

Agora, se não são apropriados esses detalhes, discutir se determinado evento, a 'rede nacional' (integração entre repetidoras de sinal de uma determinada frequência de canal de televisão) uma informação secundária e acessória, ocorreu em 1968 ou 1969, é igualmente bobo, para ser gentil com o resenhista; Destacar que o nome de um determinado cursinho era grafado com um ou dois 'eles' ('l' ou 'll'), ou que o nome de um personagem era com 's' ou com 'z'; Esclarecer que as 'arcadas' de um estabelecimento escolar não tem este predicado, arquitetonicamente falando ou; Importar-se com o número de andares de um edifício, se eram quatro ou cinco, são exemplos de um criticismo exacerbado sobre a forma para desconstruir o conteúdo, os argumentos do autor. Trata-se de típica estratégia para confundir o leitor misturando questões comezinhas com outras poucas relevantes. O próprio resenhista, fã (?) do político, por duas vezes admite que sejam “erros tolos, sem dúvida” diz uma vez e, mais tarde se repete, atestando que são “erros menores”.

Em benefício do resenhista, preciso registrar que entendo (e concordo) que tenha razão ao contestar o estilo satírico do autor da biografia, que erra, ao meu ver, na forma e no conteúdo ao perder-se na digressão acerca dos relacionamentos amorosos, dos adjetivos aplicados a essas mulheres ou sobre aparência delas ou, ainda, na sucessão de opções gastronômicas que parece mesmo próprio para um livro de receitas ou roteiro gourmet. Sua razão, senhor resenhista, se esvanece, no entanto, ao ensaiar sem constrangimento, um elogio dissimulado ao idealismo partidário do biografado e sua participação 'consagradora' (hein?), na fundação do partido.

É deplorável que, o autor da biografia e sua equipe, não tenham se prestado ao mister de verificar e revisar, como que desprezando a metodologia, a pesquisa, a origem e qualidade de suas fontes. Ainda que a maior parte de suas informações possam ser corretas, plausíveis e críveis, ao descuidar de muitos detalhes autoriza a resenha caustica e severa de seu detrator.

Não podem lhe proteger argumentos como 'não errei por má-fé ou falta de trabalho' ou, 'o problema derivou de fontes de informações erradas'. Do investigador científico, político, econômico ou social, exige-se mais do que a isenção de intenção, a indispensável consciência de sua responsabilidade objetiva, frente à necessidade de se testar e se certificar da qualidade e confiabilidade das fontes, oficiais ou não. Atribuir uma informação discutível a um 'mal-entendido', resultado de interpretação de uma entrevista envolvendo o protagonista e seu advogado é, no mínimo, um erro muito grave de investigação.

Ambos, o autor e o resenhista, demonstram que são excelentes articulistas e, embora muito competentes, parecem travar uma luta à parte, ou envolvidos na fogueira das vaidades de seus currículos, ou para atender aos interesses de seus patrocinadores. Aos que desejarem ler mais sobre o assunto recomendo o livro, a resenha (abaixo link do texto na íntegra) e as reportagens que apesar de inúmeras, repetem seus contendores preferidos. 

Ratifico aos meus juniores a importância de, ao lerem notas, notícias e opiniões, se certificarem da qualidade dos argumentos dos autores e de suas fontes, utilizando-se da dúvida como método, assim cartesiano por princípio, para depois com alguma experiência alcançarem a pós-modernidade subjacente e implícita nas entrelinhas para tentar mitigar as falácias, firulas e fofocas que ululam por todo lado.


LINKS
A resenha, disponível em: http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/08/chutes-para-todo-lado_6.html  Acesso em 20/08/2013.

Matéria do jornal “Folha de São Paulo” repercutindo a resenha. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/08/1328999-erros-fazem-biografia-de-dirceu-virar-alvo-de-questionamentos.shtml Acesso em 20/08/2013.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Ausência de malícia

João Wagner Galuzio.
Escrevedor e Cantador

Neste nosso inverno brasileiro de 2013, talvez inspirados por manifestações como as havidas recentemente em vários pontos do planeta como a Primavera Árabe e o Occupy Wall Street, veem-se por todo o país uma sucessão de eventos semelhantes, uns mais tensos e belicosos, outros mais extensos e pacíficos. 

O que se iniciou como localizadas e focadas manifestações inter-relacionadas, organizadas para contestar o aumento das tarifas de transportes públicos e, mais do que isso, a própria extinção destas tarifas converteu-se, vertiginosamente, num conjunto de protestos generalizados, difusos e independentes. Viu-se como que uma explosão de cidadania em diversas camadas sociais, de todas faixas etárias e muito especialmente dos muito jovens, o que é deveras auspicioso. 

Cientistas políticos e sociais, jornalistas e economistas, advogados e autoridades entre outros profissionais foram surpreendidos pela qualidade e dimensão dos fatos. Esboçam, de modo confuso, argumentos, hipóteses e teorias para tentar analisar e explicar o que está acontecendo e, ou, prever suas possíveis consequências e desdobramentos. A classe política, da extrema esquerda à ultra direita, desmoralizada se ressente do caráter apartidário e da virtual aversão que a sociedade está demonstrando nas ruas.

Eu, candidamente, não irei enfrentar esse desafio de tentar esclarecer, sem me escusar dos vícios naturais próprios de um ingênuo e idealista que sou e que posso cometer. É surpreendente, no entanto, observar que algumas considerações parecem, no mínimo, apressadas, irresponsáveis e, para dizer o mínimo, confusas.

Duas confusões me incomodam particularmente. A primeira e menos importante diz respeito ao slogan "Sem Partido" que a maioria dos manifestantes tem gritado, escorraçando bandeiras de agremiações políticas que, aos olhos do povo, parecem oportunistas e sem moral para adotar e explorar as massas. Vi mesmo um cientista político num jornal de TV a cabo, indignado com esta situação diante do registro de uma ocorrência em que a turba aos urros, expulsava integrantes de um partido quando tentavam agitar suas bandeiras. 

- É muito grave e extremamente preocupante que as pessoas façam isso, pois as 'instituições' precisam ser preservadas, senão teremos o caos, bradava o intelectual. O que ele, talvez mais ingênuo do que eu, se esqueceu de considerar é que exatamente o grupo execrado na passeata tem, por princípio, ojeriza às instituições, patrocina o escárnio às leis e à civilidade e quer ditar o seu bordão como se fora a única salvação. 

Os cidadãos, imagino a maioria, não estão e não são contra os partidos, mas contra a demagogia. Queremos e até gritamos por "partidos sim" efetivos, éticos e responsáveis. Protagonistas da moral cívica, coerentes com seus discursos e propostas, no lugar adequado, a saber, nas casas legislativas, municipais, estaduais e no congresso nacional.

A segunda confusão e mais importante refere-se ao ufanismo exacerbado, emblemático em cartazes como "o gigante acordou" e assemelhados, deslumbrados com a "consciência" do brasileiro que teria despertado depois de décadas de alienação, anestesia e silêncio. Admito que é contagiante reconhecer na multidão a cara pintada, mas limpa, da gente simples e humilde, irmanados todos em prol de distintos e distintivos valores patrióticos, com o necessário e delicioso destaque aos jovens. 

Depois da cortina de fumaça que as autoridades adotaram para gerir a crise e desmobilizar o movimento, a poeira vai baixando e se pode raciocinar com um pouco mais de isenção para constatarmos que continuamos os mesmos. Nós ao mesmo tempo odiamos a corrupção, enquanto buscamos a todo instante um "jeitinho brasileiro" para não cumprir alguma regra, por menor que seja para levar alguma vantagem. Esta nossa pretensa maturidade exigirá uma fulminante mudança de comportamento que não sei se estamos preparados para assumir enquanto nação.

Alguns poucos jovens com seus estandartes - e slogans - lutam por uma democracia, mas, ao arrepio da vox populi, vociferam contra tudo e contra todos que são diferentes e que pensam de modo diverso ao seu. Neuróticos, são vítimas de gente ardilosa, que sorrateiramente enxáguam seus cérebros inocentes e carentes.   

Radicais estes facínoras seduzem estas tenras e brilhantes mentes oferecendo-lhes auto-estima ao preço de sua capacidade de pensar e debater. Apesar da boa índole, estes adolescentes tardios e inocentes se compadecem, projetando ódio àqueles que ousam pensar em vez de os obedecer. Cordeiros comportam-se como lobos, julgando, rotulando e classificando sumariamente quem não matraca seus gritos de guerra. Gritam como se argumentos fossem, predicado (julgar) tão peculiar aos fascistas que impõem sua vontade aos outros, não obstante o matiz de sua flâmula. 

Falta-lhes experiência e malícia. Sugeriria, se me ouvissem, que  assistissem a três filmes para refletirem sua atitude. O primeiro "Ausência de Malícia" com o inigualável Paul Newman e a "então jovem" Sally Field, produzido em 1981. Depois, o filme "Twelve angry men" de 1997, cujo título foi maltratado no Brasil convertendo-se em "Doze homens e uma sentença". Há uma primeira versão de 1957, mas ambas são igualmente instigantes.



Por último lembrei-me do filme "Crash" de Paul Haggis, realizado em  2004 que escancara o universo de contradições, ambiguidades e paroxismos que envolve a complexidade de valores do homem moderno e a fragilidade das relações humanas. Ambientado nos Estados Unidos, reflete razoavelmente as caricaturas do ocidente. 

Há que se ter um pouco de solenidade e humildade para investigar esse fenômeno extraordinário que ameaça solapar e pulverizar nossas certezas. 


A inflação é uma droga.

João Wagner Galuzio
Escrevedor e Cantador

Os brasileiros muito jovens se não se lembram, os mais velhos sempre os fazem saber que houve um tempo neste país em que o poder aquisitivo era muito alterado para menos em razão de horas. Uma visita aos mercados um ou dois dias depois do planejado representava uma evidente e substancial menor quantidade de produtos nos carrinhos.

Clássica e jocosamente, economistas e jornalistas referem-se à inflação como um dragão. Quimera mítica capaz de consumir e destruir tudo que lhe atravessasse a frente, crescendo de modo incontrolável.

Quase vinte anos depois, o dragão virou uma droga. Bom, pelo menos é como fazem parecer nossas autoridades monetárias, viciadas em gastos públicos e dependentes de uma ideologia esquizofrênica. Sonham um socialismo romântico e, abominando o liberalismo, constrangidas mal disfarçam a privatização, apenas mudando o nome “concessão”. 

As drogas, especialmente aquelas que alucinam, exercem um efeito comum e devastador sobre seus dependentes. Além do torpor e da letargia, oferecem tanto prazer que, diante da realidade incontornável e insuportável, todos seus usuários têm convicção de que exercem absoluto controle sobre elas e acreditam que podem se abster, a qualquer tempo natural, cândida e espontaneamente. Depois da alegoria, veem-se depauperados, corroídos e desestruturados pelo monstro, droga ou dragão, desesperados por mais uma dose de euforia. 

Passados estes tantos anos a lenda do dragão parece uma fábula ancestral de tempos longínquos, irreal e surreal. A ausência de retrospectiva promove uma psicodélica perspectiva de que o bicho não passa de uma lagartixa, inofensiva. Aqueles que pretensamente pensam poder controlar a inflação revelam-se como dependentes desta droga econômica e social que consome povos e nações.

Poderiam, ou deveriam fazer como os Alcoólicos Anônimos que celebram cada dia de abstinência como mais uma pequena vitória e independência, mantendo e renovando sempre os fundamentos que viabilizaram a estabilidade dentro de metas objetivas e necessárias. Cada dia deve representar a coerência, às vezes impopular do exercício da razão, lembrando Renato Russo que há tempos já ensinava – Disciplina é liberdade... Mas esse é o caro e antipático preço da liberdade, a coerência madura e responsável. 

Ah, mas é tão sedutora a ilusão da popularidade que inebria até o mais pragmático dos burocratas tornando-o narcisista e populista, causa e efeito deste delirium tremens econômico que mascara resultados e sonha índices que não apontam, mas acusam sua inépcia.

Eis-nos mais uma vez diante deste nauseante círculo vicioso, dependentes cada vez mais quanto mais altivos e seguros, na certeza insofismável de nosso poder incondicional sobre o dragão, deliramos. Inflação, droga ou dragão, a certeza é a submissão.