segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Esculachando Descartes e ensopando Lavoisier.


João Wagner Galuzio

U

ma das mentes mais prodigiosas da história da humanidade, Descartes nos proporcionou um legado incrível, o método. O pensar para o saber, esta qualidade tão fértil nunca mais foi a mesma depois dele, se pouco ou muito afetada por suas ideias.

Método é uma característica inexorável da natureza, em todo o universo, que desenvolve e segue padrões desde sempre. O homo sapiens, observador, cada vez mais foi entendendo essa dinâmica. Primeiro observando as estações, o sol, a lua, as estrelas e todas as criaturas, percebeu que tudo tem sentido e direção, tudo se sucede e constante evolução.

Renato Descartes reconheceu a importância do método como alavanca do conhecimento humano, não uma muleta e, jamais, o limite do nosso saber. Com a licença da redundância, os métodos podem representar as estratégias mais ou menos conscientes, mais ou menos elaboradas para se acelerar o nosso processo evolutivo civilizatório. Renato sonhou uma ciência maiúscula e ideal, capaz entender todos os fatos e eventos. Um sonho que, apesar de etéreo e lírico, iluminou o modo muito objetivo do aprender conhecer.

Outra mente gigante, Lavoisier, compreendendo aquelas leis (ou métodos) da natureza ‘lacrou’: “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma” ou, como as tribos mais antigas na África já decretavam: “hatuna matata” ou, para dizer ‘sem problema’, pois no final resta o equilíbrio, o padrão prevalece, o ciclo se completa.

Em seu discurso do método, por princípio, Descartes observa que o nosso jeito de ser gente é muito sabido mas também pouco sábio. Todos nós temos a convicção de sermos donos do bom senso e pensamos que somos todos donos das nossas certezas e verdades. Na internet, os algoritmos, inocentes, levam a culpa e são criticados como responsáveis pela nossa idiotização quando, na verdade, repetem apenas os modelos operacionais de nossa inteligência cada vez mais fracional em benefício da inteligência artificial. Esse desperdício da nossa inteligência facilita e concentra ainda mais a nossa necessidade insaciável de dogmas e paradigmas.

A

 certeza é um tesão e a sua compulsão, um conjunto de múltiplos de prazeres intelectuais.  É sério! Elegante, o nosso amigo Descartes jamais seria assim literal como eu, mas em essência estou apenas parafraseando. Portanto, o problema da nossa era das incertezas, como diria Galbraith, não é a inteligência ser cada vez mais artificial, mas o artifício da ignorância que usamos como subterfúgio para o nosso delicioso e sedutor reducionismo lacrador.

Esta redução não ocorre apenas, como é mais evidente, no âmbito da coisa política ou das ciências em geral, mas é muito mais abrangente no nosso cotidiano familiar, no trabalho e nas relações comerciais. Maltratamos nossos gigantes quando generalizamos e banalizamos nossos relacionamentos. Trucidamos o legado deles quando distorcemos dados e resultados, relatórios e balanços para realizar lucros que escondem malfeitos onde ou pouco se perde ou pouco se ganha, mas no fim tudo se transforma, em bônus.

P

or último e talvez mais grave, desprezamos a indispensável consciência da complexidade humana e, ao mesmo tempo, a unicidade das coisas vivas ou não, das coisas importantes ou irrelevantes, ou não e, para ‘caetanear’ ainda um pouco mais negamos o que não é espelho. Negamos a nossa própria inteligência quando nem sequer percebemos o estado das coisas e muito menos ainda, quando odiamos a perspectiva do diferente.

A vaidade da inteligência do nosso supremo bom senso, tudo solapa, numa sopa creme de ideias rasas, frases prontas, memes maliciosos, slogans hilários, julgamentos sarcásticos e adjetivos cruéis que tem a eficácia de negar Lavoisier e transforma tudo em nada.


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